A história da saúde perpassa a história da localização social da mulher. Com a divisão social do trabalho na primitividade os homens iam à caça e as mulheres desenvolviam a agricultura, repercutindo no desenvolvimento do conhecimento sobre as propriedades das plantas. Na Idade Média, eram as mulheres servas que possuíam o conhecimento sobre saúde mais profundamente, de modo que mesmo não tendo acesso aos saberes médicos hipocráticos elas eram socialmente responsáveis tanto pela cura através das plantas e rituais, como pelos partos. Contudo, com o genocídio da caça as bruxas contemporaneamente à institucionalização da medicina, tais saberes foram transformados em atribuições médicas. Transformações estruturais no modo de produção após a Revolução Industrial fizeram a mulher se tornar mão de obra mais barata devido sua "fragilidade" e menor rendimento para a produção; assim, a mulher sai de casa (sem abandonar os afazeres domésticos) e inicia a jornada frenética pela sobrevivência no mundo capitalista.
Neste contexto, a venda da força de trabalho acentua ainda mais a falta do auto-conhecimento individual sobre o corpo e o ambiente. O inchaço das cidades e o acúmulo periférico da pobreza fez com que a medicina passasse por um período de transição, afinal, para promover a saúde burguesa é necessário controlar as epidemias e dar condições mínimas de saúde à força de trabalho que a sustenta.
Mas como está a relação da mulher com a saúde nesta época? O patriarcalismo médico passa por duas situações interligadas: baixa produtividade dos trabalhadores e morte destes nas guerras. Ambas são repercussões da lógica capitalista e se tornaram objeto de estudo desenvolvido pela medicina. Contudo, o ser social que foi designado para atuar junto a estas problemáticas foi a mulher. Em nutrição as esposas dos médicos gerenciavam as unidades de alimentação (restaurantes populares) e em enfermagem as mulheres "cuidadosas" se encarregavam dos ferimentos.
E qual a localização da mulher na saúde hoje? Na esfera do trabalho em saúde as profissões constituídas historicamente por mulheres permanecem em subordinação ao machismo médico - apesar de exercerem funções vitais na promoção de saúde e até mesmo na clínica patológica, as áreas de nutrição, enfermagem, terapia ocupacional, fonoaudiologia, farmácia e psicologia sempre recebem salários menores.
Até na própria medicina as mulheres "optam" por áreas ligadas a família (pediatria, ginecologia, obstetrícia), já que esta é a "afinidade" que perpassa toda a criação da mulher. Já os homens procuram atividades "mais complexas", pois sua educação e realidade permite-lhes uma dedicação a mais nos estudos; sem contar que, como são os homens os preparados para o convívio social e político, são eles que majoritariamente formulam as políticas públicas de saúde.
Na esfera da saúde das trabalhadoras se dão as conseqüências deste cenário. As políticas públicas de saúde priorizam a mulher, afinal temos do Governo Federal o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, certo? Nem tanto. Como visto acima, a gênese dessas políticas públicas é, em linhas gerais machista e elitista o que as limita à mera reprodução da força de trabalho através do pré-natal (no papel da mulher como reprodutora) e das campanhas contra câncer de colo do útero e mama (no papel da mulher como trabalhadora). De forma alguma secundarizamos a importância destas intervenções, porém, é necessária a análise da saúde da mulher para além do seu aparelho reprodutor. Não há políticas públicas para segurança alimentar das mulheres camponesas, nem para acompanhamento psicológico nos casos de câncer ou violência, a interrupção voluntária da gravidez ainda é crime e encontra-se muito preconceito sobre isso na sociedade. Trata-se da mesma concepção reducionista de saúde que oprime ainda mais as mulheres.
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