A Constituição Federal de 88 é um marco na história da saúde pública brasileira, pois define a saúde enquanto “Direito de Todos e Dever do Estado”. Passados quase 20 anos de sua promulgação, o Governo Federal encaminha para o Congresso, em 13/06/07, o Projeto de Lei Complementar número 92/07. Esse projeto cria as Fundações Estatais de Direito Privado na Saúde. A proposta do Governo, contudo, não se limita à saúde e abrange áreas como educação, assistência social, ciência e tecnologia, meio ambiente, cultura, desporto, turismo, comunicação e previdência complementar.
No setor saúde, as fundações estatais passariam a gerir, no lugar do Estado, os hospitais federais, estaduais, municipais e universitários, contrariando a Constituição Federal e sugerindo que o problema do setor saúde é essencialmente de gestão. Entretanto, além da gestão, influenciam primeiramente o sub-financiamento e a negligência com as condições de trabalho.
Além de inconstitucionais, as fundações estatais rompem com os princípios do SUS. A universalização e a integralidade da atenção à saúde, que representam o acesso de todo e qualquer cidadão brasileiro à saúde, serão substituídas pela focalização do Estado no atendimento das demandas sociais básicas de acordo com os interesses das fundações estatais. Em lugar da descentralização da gestão entre as três esferas do Governo (federal, estadual e municipal), o que acontece é a terceirização das ações e serviços de saúde para a iniciativa privada. O controle social exercido pelas conferências e conselhos de saúde de forma paritária entre usuários, gestores e trabalhadores, conforme lei, é substituído por conselhos internos, composto em sua maioria por representantes do governo, infligindo no poder da sociedade em interferir nas políticas de saúde.
A forma são as Fundações Estatais de Direito Privado. A essência? Privatização das políticas sociais.
Os trabalhadores sofrerão mudanças no tipo de contratação, o que afetará sua relação profissional e seus direitos sociais. Seu novo empregador agora é um ente privado e seu contrato não é mais pelo Regime Jurídico Único, mas o regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em que o trabalhador não tem mais abono de faltas, nem estabilidade no emprego após 3 anos, muito menos aposentadoria com salário integral. Se por um lado o trabalhador deve ser competente e passar no concurso público, por outro terá que se submeter às metas planejadas pelos gestores. E se não as cumprir, ainda que isso seja provável com vistas às condições precárias de trabalho, correm o risco de serem demitidos. A falta de estabilidade compromete a relação trabalhador-comunidade, dificulta o estabelecimento do vínculo e do acolhimento, essenciais nos serviços de saúde.
Aos usuários, a não garantia da gratuidade dos serviços, a perda do direito em intervir na política de saúde para fiscalizar o destino das verbas e reivindicar as prioridades dos investimentos em saúde, bem como a perda de qualidade do atendimento pelos trabalhadores com medo do desemprego e pressionados ao cumprimento de metas.
Aos estudantes, as fundações estatais imprimem uma lógica de formação profissional degenerada, voltada ao cumprimento de metas, o que significa um atendimento nutricional de quantidade, em detrimento da atenção de qualidade. A vivência do trabalho multiprofissional e interdisciplinar na saúde, base para uma formação profissional mais humana, dá lugar a uma dinâmica de trabalho competitiva, fragmentada, centrada nos procedimentos e não na promoção da saúde do usuário.
A defesa da manutenção da saúde como um direito a ser garantido pelo Estado é a defesa do atendimento das necessidades da coletividade, da gratuidade dos serviços, dos direitos trabalhistas, da formação profissional voltada para o SUS da Constituição, da luta pela vida.
Por isso, a ENEN convoca todos os estudantes a encamparem essa luta:
“Em defesa do serviço público, Contra as Fundações Estatais de Direito Privado!”
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domingo, 20 de abril de 2008
Mulher e saúde: para além de um útero
A história da saúde perpassa a história da localização social da mulher. Com a divisão social do trabalho na primitividade os homens iam à caça e as mulheres desenvolviam a agricultura, repercutindo no desenvolvimento do conhecimento sobre as propriedades das plantas. Na Idade Média, eram as mulheres servas que possuíam o conhecimento sobre saúde mais profundamente, de modo que mesmo não tendo acesso aos saberes médicos hipocráticos elas eram socialmente responsáveis tanto pela cura através das plantas e rituais, como pelos partos. Contudo, com o genocídio da caça as bruxas contemporaneamente à institucionalização da medicina, tais saberes foram transformados em atribuições médicas. Transformações estruturais no modo de produção após a Revolução Industrial fizeram a mulher se tornar mão de obra mais barata devido sua "fragilidade" e menor rendimento para a produção; assim, a mulher sai de casa (sem abandonar os afazeres domésticos) e inicia a jornada frenética pela sobrevivência no mundo capitalista.
Neste contexto, a venda da força de trabalho acentua ainda mais a falta do auto-conhecimento individual sobre o corpo e o ambiente. O inchaço das cidades e o acúmulo periférico da pobreza fez com que a medicina passasse por um período de transição, afinal, para promover a saúde burguesa é necessário controlar as epidemias e dar condições mínimas de saúde à força de trabalho que a sustenta.
Mas como está a relação da mulher com a saúde nesta época? O patriarcalismo médico passa por duas situações interligadas: baixa produtividade dos trabalhadores e morte destes nas guerras. Ambas são repercussões da lógica capitalista e se tornaram objeto de estudo desenvolvido pela medicina. Contudo, o ser social que foi designado para atuar junto a estas problemáticas foi a mulher. Em nutrição as esposas dos médicos gerenciavam as unidades de alimentação (restaurantes populares) e em enfermagem as mulheres "cuidadosas" se encarregavam dos ferimentos.
E qual a localização da mulher na saúde hoje? Na esfera do trabalho em saúde as profissões constituídas historicamente por mulheres permanecem em subordinação ao machismo médico - apesar de exercerem funções vitais na promoção de saúde e até mesmo na clínica patológica, as áreas de nutrição, enfermagem, terapia ocupacional, fonoaudiologia, farmácia e psicologia sempre recebem salários menores.
Até na própria medicina as mulheres "optam" por áreas ligadas a família (pediatria, ginecologia, obstetrícia), já que esta é a "afinidade" que perpassa toda a criação da mulher. Já os homens procuram atividades "mais complexas", pois sua educação e realidade permite-lhes uma dedicação a mais nos estudos; sem contar que, como são os homens os preparados para o convívio social e político, são eles que majoritariamente formulam as políticas públicas de saúde.
Na esfera da saúde das trabalhadoras se dão as conseqüências deste cenário. As políticas públicas de saúde priorizam a mulher, afinal temos do Governo Federal o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, certo? Nem tanto. Como visto acima, a gênese dessas políticas públicas é, em linhas gerais machista e elitista o que as limita à mera reprodução da força de trabalho através do pré-natal (no papel da mulher como reprodutora) e das campanhas contra câncer de colo do útero e mama (no papel da mulher como trabalhadora). De forma alguma secundarizamos a importância destas intervenções, porém, é necessária a análise da saúde da mulher para além do seu aparelho reprodutor. Não há políticas públicas para segurança alimentar das mulheres camponesas, nem para acompanhamento psicológico nos casos de câncer ou violência, a interrupção voluntária da gravidez ainda é crime e encontra-se muito preconceito sobre isso na sociedade. Trata-se da mesma concepção reducionista de saúde que oprime ainda mais as mulheres.
Neste contexto, a venda da força de trabalho acentua ainda mais a falta do auto-conhecimento individual sobre o corpo e o ambiente. O inchaço das cidades e o acúmulo periférico da pobreza fez com que a medicina passasse por um período de transição, afinal, para promover a saúde burguesa é necessário controlar as epidemias e dar condições mínimas de saúde à força de trabalho que a sustenta.
Mas como está a relação da mulher com a saúde nesta época? O patriarcalismo médico passa por duas situações interligadas: baixa produtividade dos trabalhadores e morte destes nas guerras. Ambas são repercussões da lógica capitalista e se tornaram objeto de estudo desenvolvido pela medicina. Contudo, o ser social que foi designado para atuar junto a estas problemáticas foi a mulher. Em nutrição as esposas dos médicos gerenciavam as unidades de alimentação (restaurantes populares) e em enfermagem as mulheres "cuidadosas" se encarregavam dos ferimentos.
E qual a localização da mulher na saúde hoje? Na esfera do trabalho em saúde as profissões constituídas historicamente por mulheres permanecem em subordinação ao machismo médico - apesar de exercerem funções vitais na promoção de saúde e até mesmo na clínica patológica, as áreas de nutrição, enfermagem, terapia ocupacional, fonoaudiologia, farmácia e psicologia sempre recebem salários menores.
Até na própria medicina as mulheres "optam" por áreas ligadas a família (pediatria, ginecologia, obstetrícia), já que esta é a "afinidade" que perpassa toda a criação da mulher. Já os homens procuram atividades "mais complexas", pois sua educação e realidade permite-lhes uma dedicação a mais nos estudos; sem contar que, como são os homens os preparados para o convívio social e político, são eles que majoritariamente formulam as políticas públicas de saúde.
Na esfera da saúde das trabalhadoras se dão as conseqüências deste cenário. As políticas públicas de saúde priorizam a mulher, afinal temos do Governo Federal o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, certo? Nem tanto. Como visto acima, a gênese dessas políticas públicas é, em linhas gerais machista e elitista o que as limita à mera reprodução da força de trabalho através do pré-natal (no papel da mulher como reprodutora) e das campanhas contra câncer de colo do útero e mama (no papel da mulher como trabalhadora). De forma alguma secundarizamos a importância destas intervenções, porém, é necessária a análise da saúde da mulher para além do seu aparelho reprodutor. Não há políticas públicas para segurança alimentar das mulheres camponesas, nem para acompanhamento psicológico nos casos de câncer ou violência, a interrupção voluntária da gravidez ainda é crime e encontra-se muito preconceito sobre isso na sociedade. Trata-se da mesma concepção reducionista de saúde que oprime ainda mais as mulheres.
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